domingo, 2 de maio de 2010

Os Sentidos, a Memória, os Sinais.

“Podemos perceber o mundo como composto de camadas, das quais a mais alta seria a espiritual. Esta é sustentada pela camada psíquica, que por sua vez, tem como suporte a camada orgânica dos seres vivos. A base que tudo sustenta é constituída pela camada anorgânica dos seres inanimados (pedras, terra, água etc.). Teríamos, então, a partir da camada mais primitiva, a física-material, a orgânica, a psíquica e a espiritual. Nenhuma das camadas superiores pode existir sem as inferiores, sendo a base de todas a camada material, anorgânica. A espiritual apóia-se em todas as inferiores. Não há – de modo cientificamente observável – vida espiritual sem vida psíquica, nem esta sem vida orgânica, nem esta sem a base material. Mas a vida espiritual ultrapassa a psíquica mercê de vários momentos, entre os quais se distingue o da capacidade de símbolo. A capacidade do símbolo é reservada ao homem, nenhum outro animal parece possuí-la”.

Ao introduzir esta citação de Anatol Rosenfeld, um grande ensaísta e crítico de literatura e teatro, faço referencia ao assunto debatido em sala a respeito de nossos sentidos.
Há alguns meses li o livro TEXTO/CONTEXTO II, em que Rosenfeld disserta sobre problemas políticos, culturais e estéticos da contemporaneidade de forma extraordinariamente versátil, daí vem a escolha da citação. Para tal num âmbito sensorial, o autor compara os nossos sentidos com sinais de situação concreta.
De acordo com minha compreensão do texto que li na aula, “O apelo afetivo do cheiro / O deleite dos sentidos”, assim como num espetáculo somos guias do espectador, provocando-os sensações imagéticas, a música, a cenografia, as cores, cheiros e sensações, também somos guiados pelos nossos sentidos, pois cada provocação levantada em alguém, deve primeiramente ser levantada em nós mesmos. Os sentidos são os fios condutores das ações em cena.
Entendi que os nossos sentidos fazem parte da construção da nossa memória, que cada cheiro, gosto, superfície, som, imagem, nos remeterá a memórias, sejam boas ou ruins. Sempre em cada momento marcante de nossas vidas iremos memorizá-los, dentre outras coisas com os nossos sentidos, como por exemplo, quando lembro da minha avó, junto a essa lembrança vem a tona algumas sensações: o pato Donald, desenho favorito dela (imagem), Charlotte, a sobremesa dela que não podia faltar em reuniões familiares (gosto), a música favorita dela “Your Lips” (som), e o forte aroma de cravo, flores usadas em seu funeral (cheiro). Então, uma marca própria: as memórias nos trazem à baila afetos e sentimentos. As memórias sinestésicas, em que se apagam as fronteiras nítidas entre os sentidos da visão, da audição, do cheiro e tudo se mistura indiscernivelmente. Não são dados sensórios que esse tipo de memória faz aflorar, mas sim emoções profundas e, ao mesmo tempo, delicadas, intangíveis.
Então, voltando a comparação dos sentidos com sinais de situação concreta de Rosenfeld, que ele diz, que se os sentidos são sinais, então em vez de assinalar apenas determinada situação concreta, momentânea, vital, individual, ultrapassa essa situação singular e única para designar a essência de todas as situações semelhantes, fora do contexto momentâneo e vital (Rosenfeld, 2000: 236), o seja devemos utilizar nossos sentidos para além de mossas próprias sensações, ampliar o uso para emoções, construção de nossa memória, de nossas relações sociais, visão de mundo e nesse âmbito, construção de cenas e no vigor sensorial do palco.